Instituição do Imposto sobre grandes fortunas : solução ou mais um problema?

Postado em: 13/05/2020

Instituição do Imposto sobre grandes fortunas : solução ou mais um problema?

No Brasil, muito se tem discutido sobre a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF como uma das possíveis soluções para crise econômica e na saúde do país devido a pandemia do COVID-19.

Diversos projetos de Lei Complementar já foram lançados na Câmara e no Senado para a regulamentação do IGF, mas apenas dois foram apreciados e, posteriormente, rejeitados. O primeiro de autoria do senador Fernando Henrique Cardoso (PLP 162/1989) foi aprovado no Senado em 1989, mas rejeitado na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara em 2000. O segundo, de autoria do senador Paulo Paim (PLS 128/2008) foi rejeitado já na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em 2010. Os principais argumentos dos parlamentares para rejeitar os projetos foram os mesmos nos dois casos: baixa arrecadação, alto custo administrativo e a sua extinção em diversos países europeus.

Com a pademia do coronavírus reacende o interesse em aprovar uma lei complementar instituindo e regulamentando o IGF. O senador Plínio Valério (PSDB-AM), enviou recentemente o Projeto de Lei Complementar (PLP) 183/2019 para criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) que incidirá sobre patrimônios líquidos superiores a R$ 22,8 milhões, com alíquotas que vão de 0,5% a 1%. Os recursos arrecadados serão direcionados para amenizar as consequências econômicas e orçamentárias geradas em virtude do combate à covid-19. Segundo o senador, a expectativa de arrecadação anual é de R$ 70 a 80 bilhões[1].

Gostaria de esclarecer algumas questões jurídicas sobre assunto, a fim de demonstrar as possibilidades e obstáculos envolvidos na discussão. Nesse momento é necessário deixar de lado as questões ideológicas e políticas que envolvem o tema para melhor compreensão.

O Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF possui previsão legal no inciso VII do art. 153 da Constituição Federal de 1988, que atribui a União competência para instituí-lo. Não obstante, até o presente momento esse imposto não foi instituído, mas a União poderá criá-lo a qualquer momento, desde que o faça por meio de Lei Complementar, em observância ao princípio da legalidade.

Ao passo que, ainda que seja caso de relevância e urgência, não é possível sua criação através de Medida Provisória,  conforme disposto no artigo 62, §1º, inciso III, da Carta Magna.

Além disso, o referido Imposto obedece aos Princípios da Anterioridade do Exercício (Anual) e a Nonagesimal, previstos no artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal. Isso significa dizer, que sendo o IGF criado pela União e regulamentado por Lei Complementar esse ano, ele somente poderá ser cobrado no exercício seguinte, ou seja, apenas no ano de 2021.

A Constituição estabeleceu ainda, que o Imposto apenas permitirá a incidência sobre ‘grandes fortunas’, nem mesmo podendo incidir sobre ‘fortunas’ que não sejam grandes. Portanto, não basta riqueza para a sujeição ao imposto, eis que a base econômica diz respeito a “grandes fortunas”. Mas o que seriam grandes fornutas? Às vezes, o que é fortuna para uns, não é fortuna para outros. Necessariamente, a lei complementar que regulamentar o imposto terá que pormenorizar tal conceito.

Fazendo um paralelo com a experiência estrangeira, essa noticia o pouco sucesso com o imposto sobre grandes fortunas. Durante algum tempo, países da Europa, bem como na Ásia, instituíram o “Wealth Tax”. No entanto, a partir da década de 90, o imposto foi abolido de diversos países da Europa, como por exemplo, Alemanha, Itália e Espanha. Outros, como a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, diante da evidência das experiências mal sucedidas, nem chegaram a introduzi-lo no sistema tributário.

Os principais motivos para a extinção do imposto nesses países se deu em razão de transferências de capital para países com menor carga fiscal ou para paraísos fiscais; o imposto também transferia a poupança para ativos que constumavam ser subavaliados pelo sistema tributário, como imóveis, que nesse caso possuiam uma menor alíquota efetiva; o imposto possuia alto custo administrativo; arrecadação pouco significativa, entre outros.

Para Luiz Ricardo Gomes Aranha e Bruno Rocha Cesar Fernandes, apesar do pseudônimo de imposto ‘Hobin Hood’, a ideia de tirar dos ricos para dar aos pobres é mera falácia. A justiça fiscal esperada não se realizará, é o que mostra a experiência no direito comparado, sobretudo porque o tributo afugenta o capital, e o que fica tem capacidade técnica e econômica para revestir de blindagem elisiva sua grande fortuna. Mais que isso, da forma que vem sendo tratado, quem corre o risco de arcar com essa conta, novamente, é a classe média...é um tributo anacrônico, retrogado e ineficaz. [...] os projetos examinados, tem os vícios da inadequação sistemática, da demagogia de propósitos, da restrição abusiva da liberdade individual, da total e absoluta ineficácia em relação ao que pretende e, por fim, o vício de total contradição com o escopo de desenvolvimento econômico, seguro e sustentável.[2]

Agora, retomando as questões técnicas. O Senador pode apresentar projeto de lei complementar, conforme proposto pelo Senador Plínio Valério? Sim. O quórum para aprovação de projeto de lei complementar é de maioria absoluta das duas Casas do Congresso, nos termos do artigo 69 da Constituição Federal.

A criação desse imposto surtiria efeito para amenizar as consequências econômicas geradas em virtude do COVID-19? Entendo ser pouco provável, considerando que o imposto somente poderia ser cobrado no exercício seguinte após ser aprovado por maioria absoluta do Congresso Nacional.

Por fim, nosso sistema tributário já é demasiadamente burocrático, confuso, complicado, com inúmeras obrigações acessórias a serem cumpridas pelo Contribuinte, sem falar na alta carga tributária a ser suportada. A instituição de mais um imposto certamente não será a solução para esse problema.

Precisamos sim, reestruturar nosso sistema tributário, principalmente quando falamos no Imposto de Renda cujas faixas de incidência são desproporcionais. Onde as pessoas são consideradas pobres quando recebem até R$ 1.900,00, portanto são isentas do pagamento do IR e são consideradas milionárias quando ganham acima de R$ 4.600,00, sendo tributadas a uma alíquota de 27,5%.

A verdade é que ficamos gastando tempo com algo que surti pouco efeito prático na economia do país, para tentar solucionar uma situação emergencial. Enquanto o que precisamos é reestruturar o sistema tributário para que ele seja mais justo, compreensivo e eficaz.

 
 

 

Por Priscila Martins Chiecon,

Advogada Tributarista, pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.

MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Professora de Direito Tributário


[1]  Fonte: Agência Senado:  https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/26/imposto-temporario-sobre-grandes-fortunas-esta-pronto-para-votacao-na-cae

[2] ARANHA, Luiz Ricardo Gomes; FERNANDES, Bruno Rocha Cesar. O Imposto Brasileiro sobre Fortunas. Arraes, 2013, p. 70.

 

 

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