Formas práticas de atingir bens do devedor que esconde seu patrimônio

Postado em: 15/07/2020

Formas práticas de atingir bens do devedor que esconde seu patrimônio

Reconhecida a derrota no processo judicial, pode ser que o devedor não tenha recursos econômicos para arcar com os valores. Sabendo disso, as energias deste escrito se voltam ao devedor que maliciosamente se esquiva e oculta o seu patrimônio com a específica finalidade de não saldar a sua dívida.


Em situação semelhante está aquele que é credor de quantia representada em títulos executivos extrajudiciais, como cheques e notas promissórias, muito embora ainda não tenha decisão judicial favorável no processo executivo.


Está-se tratando, pois, do traiçoeiro que não quer honrar o pagamento em dinheiro.


Normalmente, o litigante desleal sabe que não lhe resta qualquer direito desde os passos iniciais do caminho judicial, e, por isso, é comum que já no estágio seminal se comporte de modo a jamais pagar o que deve.


Nas suas mãos o processo é mero instrumento para tentar ludibriar o credor. Cria um personagem comprometido com os mais nobres princípios republicanos, mas abandona o figurino tão logo sai das dependências do Fórum.


É inafastável, contudo, a liturgia do devido processo legal. O processo justo é aquele que tem todas suas etapas cumpridas e respeitadas. Longe de ser um mal necessário, a observância das formalidades deságua na legitimidade do procedimento e no inapelável reconhecimento do direito.


Portanto, o problema não é necessariamente da ferramenta, que pode ter seus defeitos, mas é apta a funcionar. O obstáculo está, no mais das vezes, em quem faz o seu uso.


A decisão judicial não é um artigo decorativo. Não se presta a ficar pendurada na parede. É preciso que seja efetiva, que traga ao mundo dos fatos um benefício ao vencedor no processo e o fatal prejuízo para aquele que sucumbe.


Nesse cenário, o trabalho do advogado pode fazer a diferença entre ver o direito ser efetivado ou não. O tratamento dado pelo profissional ao problema potencializa, e muito, a chance de êxito, pois o patrono que confia apenas nos instrumentos de busca tradicionais faz com que, no mais das vezes, o sucesso seja uma carta fora do baralho.


Apesar de as medidas decretadas pelo juiz para encontrar dinheiro e automóvel serem úteis, o devedor malicioso já as conhece de cor e salteado. É preciso ter em mente que o malfeitor projeta os seus negócios e as suas relações no intuito de não honrar seus deveres. Assim, desde o nascedouro se utiliza de subterfúgios para que ao final frustre a cobrança.


A verdade é que diante de conjunturas como essas não existe remédio pronto. O cliente deve confiar e aguardar o resultado do trabalho do seu advogado. É preciso entender que comumente é uma tarefa árdua e que no caminho terá que adiantar despesas para que diligências sejam feitas.


A escolha da estratégia equivocada e a execução das medidas no tempo incorreto põem em xeque o direito do jurisdicionado. Além do mais, é preciso que o magistrado condutor do caso tenha a necessária sensibilidade para perceber que a postura do devedor está impregnada de má-fé, recebendo com imparcialidade, mas com o necessário senso de justiça os argumentos do lesado.


Fora de tecnicismos e preciosismos jurídicos, serão apresentadas 04 situações comuns na praxe forense, mediante as quais o devedor malicioso acredita estar a salvo de quaisquer reveses, mas, na verdade, pode estar se complicando.


Devedor que se oculta. Não raras as vezes o devedor some. Procurado no endereço originariamente fornecido, não é encontrado. Nessa situação, o credor se vê na tarefa de indicar um novo local. Em sede de Juizados Especiais é preciso ficar atento, pois a falta da diligência pode gerar a extinção do processo.


No ambiente da Justiça comum, a lei permite o uso do edital. No entanto, pode ser mais eficaz utilizar o instrumento previsto no Código de Processo Civil de 2015, qual seja o requerimento ao magistrado para que consulte os sistemas a que tem acesso para que encontre e forneça o endereço do sumido. O deferimento da medida já encontrou maior resistência no Judiciário, mas atualmente tem sido obtida com melhor frequência.


Portanto, o juiz pode consultar a base de dados de veículos, de pessoas com créditos negativados, do cadastro eleitoral, da Receita Federal, etc. Logicamente que muitas das informações estão protegidas por sigilo e, portanto, a busca somente pode retornar o endereço da contraparte.


Veículo registrado em nome de terceiro. É firme o entendimento de que é a habitual posse direta do veículo que faz prova do seu proprietário. Há algum tempo se entende que a titularidade que consta do banco de dados do DETRAN possui uma precípua finalidade administrativa.


De acordo com a lei brasileira, a propriedade do bem móvel é transferida com a tradição, que é caracterizada pela simples entrega do bem. Dessarte, provado que o devedor tem à sua disposição um veículo que está registrado em nome de terceiro (o conhecido “laranja”), é grande a chance de êxito na indisponibilidade, penhora e alienação da coisa.


Sócio/administrador de pessoa jurídica que não consta do quadro social. É uma situação um tanto mais complicada de ser demonstrada, mas plenamente possível. É o caso daquele que para todos os efeitos se identifica como sócio ou administrador de uma pessoa jurídica, mas quando consultado o quadro social da empresa não há sinal da sua existência.


Novamente há pessoas interpostas no esquema. O sócio/administrador oculto geralmente opera mediante procuração outorgada por aqueles que formalmente são sócios da empresa, mas não passam de marionetes do astuto real operador.


Assim, quando o credor de determinada pessoa jurídica faz a cobrança judicial de quantias, encontra sócios que muitas vezes sequer sabem do cotidiano da empresa, além de um quadro financeiro arrasado do ente moral. Nessas circunstâncias, o advogado faz um intenso trabalho para ligar todas as pessoas envolvidas a fim indicar o real responsável, uma espécie de “mandante”.


Com inteligência e paciência o caso fica às claras. Normalmente, quando se chega ao verdadeiro responsável, seu patrimônio será exposto e terá que suportar os prejuízos até então sofridos pelo credor.


Declaração falsa do devedor de alimentos. Nas ações de alimentos, o alimentante precisa demonstrar os seus rendimentos mensais para que o magistrado realize um juízo de proporcionalidade frente às necessidades do alimentando. A partir de então é que se encontra um valor para a pensão alimentícia.


Quando o alimentante tem emprego formal, a tarefa é facilmente cumprida com a apresentação do contracheque/CTPS. Todavia, quando é trabalhador autônomo/empresário, é o próprio responsável pelo informe dos seus rendimentos, e, muitas vezes, para fugir da carga tributária, declara valores aquém do que tem à disposição mês a mês.


Há situações nas quais é verdadeiro sócio e/ou administrador, mas não consta do quadro social, e determina ao setor de contabilidade que emita recibos de pagamentos enganosos. Assim, encena ser empregado, e no âmbito judicial apresenta demonstrativos com valores inferiores ao que recebe.


O cenário aparente, quando minimamente questionado, costuma ruir. As circunstâncias ficam ainda mais graves quando resolve declarar as quantias à Receita Federal, mas para aliviar as contas da empresa se identifica como um prestador de serviços autônomo, e não empregado. Como se vê, é uma versão contraditória e espúria.


Nessa seara tem especial aplicação a teoria da aparência. Se o devedor apresenta padrão de vida superior ao representado nos documentos, está, de fato, em apuros. Assim, muito embora certifique nos autos que tem hábitos franciscanos, os argumentos cedem à realidade. Leva-se em conta o conjunto de fatores externados pelo ardiloso.


É o caso, por exemplo, daquele que diz não ter forças para pagar alimentos na base de um salário-mínimo, mas vive em condomínio de alto padrão com gastos mensais próximos àquela quantia. Da mesma forma, aquele que viaja a turismo, mesmo fora do período das férias, ou então do que tem à sua disposição um automóvel cujas parcelas do financiamento não guardam proporcionalidade com os valores informados no processo.


Atualmente, tem especial apelo o padrão de vida ostentado nas redes sociais, que tem se mostrado uma importante ferramenta para trazer a verdade à tona.


 


Por Leonardo Semensato Cabral


Advogado

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